A Testemunha

 

A noite não foi tranquila, uma angústia vinda não sei de onde tomou conta da minha mente e do meu corpo de tal forma, que meu coração palpitava descompassadamente, eu suava, um calor terrível na cabeça. E nem estava tão quente assim…

Desisti de tentar dormir e levantei antes das 6h da manhã! Me senti melhor ao lembrar que poderia assistir o nascer do sol, que naquela época do ano – início do outono – ocorria em torno das 6:20h.

Meus avós dormiam tranquilamente em seus quartos – eles haviam entrado num acordo e, dormiam em quartos separados. Assim, meu avô não acordava minha vó cada vez que levantava para aliviar a bexiga – o que ocorria umas três vezes por noite – e minha vó não perturbava meu avô com sua tosse crônica – fruto de um enfisema pulmonar, consequência de mais de 40 anos como fumante. Nossa casa de praia era grande e espaçosa, então não houve problemas para a efetivação desse acordo, ocorrido recentemente e de forma harmoniosa. Eram meus avós maternos, ambos estavam com quase 80 anos, fui criada e educada por eles desde que perdi meus pais num acidente de carro, quando eu tinha apenas 4 anos. As lembranças que tenho dos meus pais são poucas e bastante vagas. Apesar de toda essa tragédia na minha primeira infância, posso dizer que fui uma criança feliz, e acredito ter sobrevivido a tudo sem grandes traumas.

Meus avós são pessoas maravilhosas – ainda que super protetores, o que nesta altura da minha vida, às vezes torna-se um problema. Mas eu tento entender, e assim aprender e desenvolver a arte da paciência e da tolerância. Eles são o que restou da minha família e eu sei, que meu tempo junto deles pode estar chegando ao fim e, isso, às vezes me deixa angustiada.

A morte daqueles que amamos não é algo fácil de aceitar, mas hoje, tenho certeza que é o que nos faz mais fortes; são marcos na nossa presente existência e, certamente, nos traz as lições mais complexas, alterando completamente a rota desta vida!

Levantei e já coloquei uma roupa confortável para dar minha corrida. Eu sempre fui viciada pelas corridas à beira-mar, preferencialmente ao amanhecer.  O nascer do sol me encanta, seus raios refletindo sobre o grande mar formando um espelho prateado, ao som das ondas quebrando na areia e a algazarra dos pássaros, que nesta época do ano, estavam sempre presentes e buscavam pequenos mariscos e tatuíras para seu desjejum; todo esse cenário mexia com meus sentimentos, me conectava a natureza, a mãe Terra, a minha essência! E a maresia no amanhecer? Um aroma profundo, que parecia alimentar meus pulmões e coração com a pura essência da vida! Está entre meus cheiros preferidos!

Cheguei à beira mar, e devido ao adiantado da hora, resolvi presenciar a nascer do sol, antes da corrida. O horizonte já mostrava a luminosidade do amanhecer, o céu de um azul intenso. A natureza, a vida, esperando a chegada do rei Sol em toda sua magnitude!

Que estranho! No horizonte, ao leste, onde o sol nascia, parecia que havia um tom bem mais forte de azul. Ao contrário do que seria a normalidade, pois a luminosidade do sol que nasce, usualmente nos dá a falsa impressão de um céu de azul mais clarinho. Me sentei sobre umas pedras, junto aos cumes de areia e fiquei a observar, apreciar momento tão mágico! Eu nunca havia visto o céu com tamanha distinção de cores, nem mesmo em dias de tempestade, quando a variação das nuvens e a luz do sol, podem gerar nuances múltiplas de cores! Aquele espetáculo gerou uma vontade crescente de conexão com a natureza, com a vida, era um sentimento de grandiosidade da vida e gratidão. Fiz uma prece e agradeci ao Mundo Superior por aquela benção grandiosa. A natureza era realmente prodigiosa…

Eu estava ali, quieta e em paz, apreciando toda o esplendor do momento quando percebi que o mar parecia ter acalmado, os pássaros voaram numa debandada geral, e uma brisa quente começou a soprar…Levantei e olhei em volta. Ninguém nos arredores. O que será que havia, aparentemente, afastado os pássaros? Um arrepio percorreu meu corpo. Um leve temor? Mas de que? Eu não consegui identificar imediatamente aquela sensação que teimava em se apoderar de mim. Instintivamente, de forma inconsciente comecei a murmurar uma prece, enquanto olhava por todos os lados a procura de alguma coisa, de alguém. Me senti sozinha e isolada – o que normalmente eu apreciava, mas naquele momento, me angustiou!

Instala-se um silêncio ensurdecedor. Sim, era um silêncio tão absurdo que cheguei a pensar que estava surda. Havia algo estranho no ar, um suspense, uma expectativa…Eu conseguia sentir essa vibração, que de alguma forma me causava uma ansiedade. Fiquei olhando o mar, no horizonte. Cogitei um tsunami, para logo depois rir do inusitado dos meus devaneios. Não havia o menor sinal de tempestade, era céu de brigadeiro. O mar estava por demais tranquilo e sereno. As ondas haviam se transformado em pequenas marolas, e o mar mais parecia uma imensa lagoa verde. O sol já brilhava com todo seu esplendor, relativamente alto para a hora, e eu conseguia perceber largos feixes de seus raios luminosos espargindo luz sobre o mar. Eu estava extasiada com a magnitude daquele espetáculo, foi quando percebi algo estranho, como se alguma coisa descesse pelo feixe solar! Cheguei a esfregar os olhos para limpa-los, ter certeza do que enxergava.

Num dos feixes mais largos de raios solares que vinham até o mar, eu percebi descer uma espécie de bola de fogo. Me é difícil descrever o que via, seria mesmo isso? Eu estava mesmo sendo testemunha de algum fenômeno geológico, astrológico, ufológico ou algo do tipo? Essa bola era de um vermelho-alaranjado intenso e desceu numa velocidade impressionante, foi quase um flash. Assim foi até chegar pouco acima do nível do mar, daí ela praticamente parou, e então, começou a submergir lentamente…Quase em câmera lenta! Houve um barulho intenso, igual quando jogamos água sobre uma panela quente. Esse foi o som! Agora, imagina esse barulho num volume gigantesco!

Meus ouvidos doeram, coloquei as mãos sobre eles num ato reflexo de proteção. E esse pequeno instante de distração foi o suficiente para a grande bola de fogo sumir no mar, o som desaparecer e não restar nenhum vestígio do que presenciei além de pequenas ondas circulares em volta do lugar onde ela caiu e uma pequena e esvoaçante fumaça branca, que logo se dissipou! Corri até a beira do mar, tentando ver alguma coisa; eu estava amedrontada, mas igualmente curiosa! Meus olhos ardiam, mas ignorei! Olhei à minha direita, e não fui capaz de ver nada, nem ninguém até onde meus olhos alcançavam; olhei para a esquerda e a mesma coisa! Era como se o mundo tivesse congelado e somente eu estivesse ativa, acordada. Meus olhos começaram a coçar.  Ainda fiquei alguns minutos ali, na beirinha do mar e nada! Até que veio uma onda e me deixou toda molhada…. Sim, surpreendentemente, as ondas voltaram ao seu tamanho e ritmo normal. Logo, percebi que os pássaros, aos poucos voltavam a sobrevoar a orla, pousar na areia! Eu não sabia o que havia presenciado, não sabia do que se tratava; mas a natureza parecia ter consciência do que era. Algo extraordinário havia acontecido, disso eu tinha certeza, e por algum motivo que desconhecia, aparentemente, eu fui o único ser vivo a presenciar! Voltei a me sentar nas pedras, decidida a esperar mais algum tempo, talvez algo acontecesse…

E então, subitamente acordei!

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Este conto que você acabou de ler, na realidade é o primeira parte do meu próximo livro “Filhos do Sol”, que ainda está em produção. Gostou? Deixe seu comentário.

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