O juiz e o papagaio do livro “Céus de Allah” de Malba Tahan
A opulenta cidade de Cabul vivia, agitadíssima, naquele tempo, com o boato veiculado por alguns e outros que afirmavam ser a mais pura verdade. Dizia-se que o prestigiado juiz chamado Fauzi Trevic, antes de sair de casa para o exercício de suas funções no tribunal, ouvia os conselhos de um papagaio. Havia até quem soubesse de particularidades sobre o assunto. Falava-se que o papagaio foi trazido das montanhas por um feiticeiro famoso e vivia internado num rico aposento, longe de visitas e dos ouvidos curiosos. Os mais atrevidos diziam tratar-se de uma ave encantada, que trazia no corpo o Espírito de um gênio. O tal papagaio devia dominar o conhecimento das leis como ninguém, pois o magistrado era conhecido pelas sentenças notáveis que proferia.
O caso chegou ao conhecimento do rei Nassin ben-Nassin, que se espantou com a notícia e com a possibilidade de um papagaio capaz de orientar as longas sentenças de um sábio juiz. E resolvido a esclarecer o “diz que disse”, mandou chamar o juiz Fauzi Trevic para uma audiência. Frente a frente com a magistrado, perguntou-lhe:
– Seria verdadeira aquela voz que corria pela cidade, abalando os incrédulos e enchendo de infinito assombro os simples e os ingênuos?
– Sim, ó rei Magnânimo! É verdadeira a voz.
E continuou:
– Não devo ocultar a verdade. Todos os dias, antes de seguir para o tribunal, ouço os conselhos de um modesto papagaio verde, de bico amarelo. Juro pelas barbas de Maomé ser a mais pura verdade.
O monarca, então exaltado, exclamou:
– Não creio que possa existir, sob o céu ou sobre a terra, maravilha maior do que essa que acabais de revelar!
E o juiz continuou:
– Vejo-me forçado a dizer-vos ó Rei, que meu amigo papagaio só sabe pronunciar duas palavras e com esse limitadíssimo vocabulário consegue me orientar, com segurança e clareza, todas as minhas sentenças.
– Com duas palavras! Que palavras mágicas são estas, que servem de dois faróis, no meio dos oceanos das leis? – Questionou o rei.
Respondeu o digno magistrado:
– Bondade e justiça! Justiça e bondade. Eis as palavras que ouço todos os dias do meu fiel papagaio.
Interessante o que ele, o juiz, complementa em sua resposta. Ele disse:
– Quando estudo as causas, sobre as quais sou obrigado a votar e decidir, esforço-me, por ser bom e procuro se justo.
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O papagaio, na verdade, trata-se da consciência do magistrado, e notem que ele se refere à ave como “modesto papagaio verde de bico amarelo”, ou seja, a consciência despojada de qualquer adorno, condecorações, títulos e opulência.
Era apenas a consciência de um homem, filho de Deus, ciente das suas limitações que se esforçava todos os dias em ser bom e justo.